Bem-vindos!

Sejam bem-vindos! Este blog é uma tentativa de exercitar a insanidade de modo construtivo ou de destruir convenções via sanidade. Tanto faz. Caso você se pergunte sobre a minha seriedade aqui, explico com um trecho do Principia Discordia:

"- Você fala realmente sério, ou o quê?
- Algumas vezes eu trato o humor seriamente. Algumas vezes eu trato a seriedade humoristicamente. De qualquer forma, é irrelevante.
- Talvez você só seja maluco.
- Verdade! Mas não rejeite estes ensinamentos como falsos só porque eu sou maluco. A razão pela qual eu sou maluco é porque eles são verdadeiros."

Namastê!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O inconfundível valor da amizade

Inaugurando mais uma seção do blog, "causos" reunirá fatos que presenciei ou protagonizei. Os nomes serão (quase) sempre fictícios, pra preservar os envolvidos, mas as histórias serão bem reais. Comecemos...

Eu tive um amigo de infância chamado Aloísio. Brincávamos muito juntos, zoávamos e ele até presenciou um dos meus quatro quase-afogamentos sem mover uma palha. Apesar dessa mágoa, era um ótimo amigo.
Passados os anos, cada um foi pro seu lado. Cresci, cursei o primeiro grau, o segundo, entrei pra faculdade e qual não foi minha surpresa ao reencontrar Aloísio no mesmo ônibus pra universidade!
"Aloísio, quanto tempo! Como vai a vida??" Com aquele sorriso tímido que sempre o acompanhou na infância, ele narrou, de modo resumido, diversos desdobramentos de sua vida que eu jamais preveria, baseado em meu conhecimento prévio sobre ele. Foi um ótimo evento pra mim. Uma parte da infância quase esquecida voltou.
E assim foi ao longo dos semestres seguintes. Naquele horário bizarro das 6h10, pegávamos o ônibus e eu sempre o recebia com um sonoro "Aloísio, meu velho!" e um fraterno aperto de mão. Acabei descobrindo uma amiga minha como irmã dele, o que me mostrou que o mundo era ainda menor do que eu imaginara.
Assim, aquela hora diária de trajeto pra universidade era recheada de narrativas da infância, lembranças engraçadas etc., eu narrando e ele concordando com o onipresente sorriso tímido. Numa quarta-feira, passados três anos do reencontro, pegamos o busão de sempre e ele se sentou ao meu lado. Lá ia eu falar as aleatoriedades de sempre quando ele, usando suas prerrogativas de amigo tão antigo, me disse em tom sério e terrivelmente tímido: "Léo, precisamos conversar". A irmã dele, ao lado, mantinha um meio-sorriso tenso e enigmático. Aloísio continuou: "Meu nome é Frederico". "O quê?", retruquei, atribuindo minha dissonância cognitiva ao horário do ônibus. "Meu nome não é Aloísio; é Frederico". A timidez deixava Aloísio vermelho como gelatina de cereja. Interroguei a irmã com os olhos. Ao seu meio-sorriso somava-se agora um olhar piedoso. "Meu nome não é Aloísio; é Frederico", repetia Aloísio com um riso nervoso, como um adolescente gaguejando em seu primeiro flerte.
Dada a insistência dos irmãos naquele absurdo, exigi explicações, vi a carteira de identidade, pedi que jurassem por alguma divindade.
Não era brincadeira. Aloísio se chamava Frederico. Sempre se chamou; não era uma mudança de nome. "Mas como seria possível?", me interroguei, mergulhado na dissonância. "O nome Aloísio era uma falsa memória minha? O pai se chamava Frederico e, num complexo de Édipo mal-resolvido, ele se recusou a adotar o nome do pai? Ou era uma conspiração dos Iluminatti?"


A explicação de Aloísio, digo, de Frederico superou minhas melhores expectativas. Foi mais ou menos assim (vermelho como a calça de um dos Restart):
"Lembra quando a gente se viu aqui no ônibus três anos atrás? Você me chamou de Aloísio com tanta convicção que eu fiquei com vergonha de desmentir e deixei... Na verdade, eu nem sei quem é Aloísio. E eu nem sabia quem era você! Eu te conheci naquele dia!" Pausa pra assimilar essa reviravolta shakespeariana... Voltando, "Desde então, em cada dia nesses três anos, eu penso em te contar que não sou seu amigo de infância... Cada dia eu entrava neste ônibus resolvido a contar, mas nunca conseguia... Desculpa se só consegui fazer isso hoje..."
O olhar da irmã apoiava piedosamente a inacreditável timidez de Aloísio-Frederico. Poucas vezes na vida uma notícia me chocou tanto. Quantas noites de sono ele perdeu, atormentado, acumulando forças pra me enfrentar na manhã seguinte? Ainda hoje eu imagino a angústia dele, concordando dia a dia com as minhas memórias de infância... E como era possível que Frederico adulto se parecesse tanto com Aloísio criança? Semanas depois, como numa coincidência que levaria platéias esotéricas ao frenesi, eu encontrei o verdadeiro Aloísio na rua. Procurei me certificar. Era o próprio. Como saldo final, duas aterradoras verdades: Frederico se parece mais com o Aloísio-criança que o próprio Aloísio. E o apelido de Frederico na nossa turma do busão é e sempre será Aloísio.

2 comentários:

  1. hahahahahahahaha
    é o tipo de coisa que só acontece com vc mesmo!
    Coitado do Aloísio-Frederico, vc quase acabou coma vida do sujeito. Eu fico imaginando a cena, vcs no ônibus, a sua cara de fantásctico mundo de Bob tentando entender alguma coisa e o velho/novo amigo nervoso...

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