Bem-vindos!

Sejam bem-vindos! Este blog é uma tentativa de exercitar a insanidade de modo construtivo ou de destruir convenções via sanidade. Tanto faz. Caso você se pergunte sobre a minha seriedade aqui, explico com um trecho do Principia Discordia:

"- Você fala realmente sério, ou o quê?
- Algumas vezes eu trato o humor seriamente. Algumas vezes eu trato a seriedade humoristicamente. De qualquer forma, é irrelevante.
- Talvez você só seja maluco.
- Verdade! Mas não rejeite estes ensinamentos como falsos só porque eu sou maluco. A razão pela qual eu sou maluco é porque eles são verdadeiros."

Namastê!

domingo, 9 de janeiro de 2011

A CENTOPÉIA HUMANA – Resenha crítica de um filme que você (erradamente) nunca pensou em ver


Este já nasceu clássico. A centopéia humana (The human centipede, 2009) conta a história de um cirurgião aposentado, Dr. Joseph Heiter, que resolve usar sua perícia em separar irmãos siameses pra... criar pessoas siamesas. Ah, os gênios... Sem visionários como Heiter, não teríamos o pirocóptero, o sutiã que vira máscara de gás e os óculos com funil pra facilitar o colírio. Heiter pretende que três indivíduos sejam costurados uns aos outros, de modo a formar um único tubo digestivo.
Eu sei, gente... Defendo muito a pesquisa básica, mas isso também é demais. Assim, se você parar de ler aqui, nem ficarei magoado. Mas, na verdade, é meu tipo preferido de trash: tosco com a intenção de ser sério. A premissa consegue ser mais ridícula que em A Geladeira Diabólica, Dracula 3000 (já comentados no blog) e tantos outros. Já que a criação da centopéia se resume a pouco mais que costurar bocas em anus (eu sei... eca), o “novo organismo” sequer sobreviveria o suficiente pra recuperação pós-operatória. Aparece uma mensagem no trailer dizendo “100% medically accurate”. Sim... tanto quanto A Camisinha Assassina (resenha em breve).       
Como cientista convencionalmente cruel, Heiter inicia com experimentos em animais. Assim, ele cria uma centopéia canina com três hot vailers. E deu certo... Então, Heiter implementa o próximo e natural passo: humanos. Poucas vezes senti tanta “vergonha alheia” quanto ao ver os atores formando a centopéia, andando de quatro e com a cara grudada na bunda um do outro. A cena do despertar pretendia ser comovente: as vítimas chorando de terror e o cirurgião de alegria. Mas talvez chorassem por sua participação no filme. Depois das cenas de Heiter adestrando a centopéia no quintal, a Vanusa pode cantar como quiser e eu nem me importarei. Meu coração se petrificou.  
Heiter é o cientista maluco mais sortudo da história. Neste mundo enorme, as vítimas resolvem “amarrar o gato” nas moitas ao lado de onde ele aguarda. Sua casa fica no meio do nada e carros de turistas desavisados pifam injustificadamente quase no seu jardim. A última vítima, um japonês compreensivelmente desbocado, já aparece carregado e com um dardo tranquilizante no quadril. Acho que Heiter deixou o dardo sobre uma pedra e, enquanto preparava o rifle, a vítima sentou em cima. Mesmo com uma cara indisfarçável de psicopata (não que ele tentasse esconder) e dizendo logo de cara que odeia seres humanos, Lindsay e Jenny permanecem na casa do médico e aceitam beber a “água batizada” que as desmaiaria.
Mais uma prova de sua sorte sobrenatural: o porte do Heiter é pouca coisa melhor que o do Sr. Burns. Eu não seria tão otimista quanto à idade. No início, até achei ser um filme sobre zumbis ou vampiros. Assim, bastaria um soco, uma rasteira ou mesmo um susto tipo “bu!” pro velho cair morto e o filme acabar. Ainda assim, ele faz um imenso estrago, incluindo estar quase morto no chão e esfaquear o pescoço de um policial de pé, armado e 70 anos mais jovem. Há uma cena em que Lindsay recebe um tiro de tranquilizante pelas costas, se contorce e leva cinco minutos pra cair, revelando atrás de si Heiter ainda em posição de tiro. Estiloso? Não, é lentidão mesmo.
O filme é um desfile de clichês como raramente vi. Um cientista alemão maluco com voz de tumba, aquele sotaque clássico ao falar inglês e uma aparência que mistura Hitler e Mao Tsé-Tung, mulheres histéricas, emboscadas, becos sem saída, escadarias, maniqueísmo inflexível, rifles primariamente escondidos pelo sobretudo e todas as demais caricaturas, tudo à enésima potência. Mas há uma explicação. A idéia de uma centopéia humana demandou tanta energia criativa que não sobrou pro resto do enredo. E se a única criatividade do filme é uma implausibilidade completa, o que resta, então?
As atuações são tão sofríveis como em Mutantes – Caminhos do Coração. Ponto pro filme! Imaginar os testes de elenco me divertiu por dias. O enredo é cheio de escatologias. Em consideração à minha pizza de daqui a pouco, troco minha descrição pela imaginação de quem lê. A história segue arrastada, artificial, de modo que a mísera hora e meia de filme é levada a custo. Pensa que Tom Six, o diretor, ficou aliviado quando conseguiu acabar? No início, o título é acompanhado pelos dizeres “Primeira parte” (First sequence). Essa maravilha tem continuação, prevista pra 2011!! E Six promete mostrar uma centopéia formada por 12 pessoas!!! Eu sei, gente...
Eis o trailer. Como dizem, é só pra dar um gostinho na boca (Ops... Expressão infeliz pra ocasião):


sábado, 1 de janeiro de 2011

A tosqueira como caminho espiritual


Wow! Isso faz muito mais sentido agora!
Kat, após se tornar zumbi, relendo Nietzsche 
(Zombie Strippers, 2008)


Segundo uma famosa história zen, um jovem estava seriamente angustiado com os conflitos atuais. Ele buscou em muitas direções um modo de resolver as coisas, mas permaneceu atordoado.
Numa noite, em uma cafeteira, um auto-ordenado mestre zen lhe disse: “Vá para a mansão caindo aos pedaços que encontrará no endereço que eu escrevi para você. Não fale com aqueles que lá vivem. Você deve permanecer em silêncio até que a lua nasça na noite seguinte. Vá para a grande sala à direita do corredor principal, sente-se na posição de lótus no topo dos escombros do canto nordeste, olhe para o canto e medite”.
Ele fez como o mestre lhe dissera. Mas sua meditação era frequentemente interrompida por preocupações. Ele se preocupava se iriam ou não cair os encanamentos do segundo andar para se juntarem aos escombros e canos nos quais ele estava sentado. Ele se preocupava se saberia quando a lua nasceria na próxima noite. Ele se preocupava sobre o que diziam a respeito dele as pessoas que ali passavam. Mas sua preocupação e meditação foram drasticamente perturbadas quando, como se testassem sua fé, excrementos do segundo andar caíram sobre ele. Nesse instante dois mendigos ali passavam. O primeiro perguntou quem era aquele homem ali sentado. O segundo respondeu: “Alguns dizem que ele é um homem santo. Outros dizem que ele é um bosta”. Ouvindo isso, o rapaz alcançou a Iluminação (Principia Discordia, p. 00005 – versão adaptada).
Antes de sair por aí atrás da merda alheia, espero que o leitor descubra uma casa abandonada bem mais próxima: a tosqueira. Talvez outra filosofia milenar possa clarear o argumento. Segundo o taoísmo, existem dois princípios complementares no universo, cuja dança interativa molda a realidade: yin e yang. Como meros exemplos de yin, temos a noite, o solo, a quietude. Como exemplos de yang, o dia, o céu, a agitação. Os dois se alternam ciclicamente: O yang nasce, se desenvolve, chega ao auge, começa a minguar e finalmente morre, transformando-se no yin que nasce e segue o mesmo caminho até dar lugar ao yang que nasce etc.


Noite e dia, trabalho e descanso, vida e morte. Com as coisas toscas (músicas, fatos da vida, qualquer coisa) acontece o mesmo. Como um dos meus exemplos preferidos, todo mundo tem sua lista mental de filmes bons e ruins. E essas listas tendem a ser mais ou menos parecidas entre si. A ausência de unanimidade não prejudica a essência do argumento. Na verdade, ajuda. Esses filmes são manifestações de yang e yin próximos de seu auge, quando sua qualidade tende a ser facilmente determinada. Mas, quando um filme chega ao máximo de seu atributo como bom ou ruim, ou seja, quando ele é bom demais ou ruim demais, a mágica acontece e ele começa a dar lugar à qualidade oposta.
Os filmes extraordinariamente bons já são cultuados como causadores de angústias e transformadores da alma. Não preciso comentar. Mas e as subestimadas tranqueiras? Filmes incrivelmente ruins, no limite do tolerável ou além, começam a ser, justamente por isso, bons. É um bom “diferente”, mas é bom.
Por sua vez, a arquetípica jornada do herói, que metaforiza o processo profundo de amadurecimento para o qual teríamos potencial, muitas vezes começa com o aspirante seguindo algum ser incomum que o leva para a aventura do despertar. Temos em Alice seguindo o coelho branco um dos exemplos mais familiares. Assim, zumbis, mutantes e geladeiras diabólicas não seriam as entidades exóticas nos convidando a segui-los até o reino do desconhecido? 
Pra terminar (ou não), as tosqueiras podem produzir os mesmos efeitos dos koans, aqueles pequenos textos zen que servem pra quebrar a linearidade da razão e os limites do ego. Um koan bastante famoso é "Qual é o som de uma única mão batendo palmas?" (atribuida a Hakuin Ekaku, tradição oral). O Grão Tosco não pode ser plenamente elaborado pela razão. Mulder revelou isto a Scully em um dos meus episódios favoritos de Arquivo X, quando flagrado assistindo ao clássico trash "Plano 9 do Espaço Sideral" (resenha em breve): "Eu assisto Plano 9 toda vez que preciso me concentrar em um problema difícil (...). O filme é tão incrivelmente ruim e infantil que derruba os centros lógicos do meu cérebro, permitindo saltos intuitivos que seriam impossíveis de outro jeito".   
Assim, se o que é tosco é bom e se a Sabedoria está em compreender verdadeiramente e além da lógica as dualidades do mundo sensível, como santo e bosta na história zen, vampiros que bebem catchup e alienígenas de papel machê podem ser, caro leitor, seu caminho pra Iluminação.