Bem-vindos!

Sejam bem-vindos! Este blog é uma tentativa de exercitar a insanidade de modo construtivo ou de destruir convenções via sanidade. Tanto faz. Caso você se pergunte sobre a minha seriedade aqui, explico com um trecho do Principia Discordia:

"- Você fala realmente sério, ou o quê?
- Algumas vezes eu trato o humor seriamente. Algumas vezes eu trato a seriedade humoristicamente. De qualquer forma, é irrelevante.
- Talvez você só seja maluco.
- Verdade! Mas não rejeite estes ensinamentos como falsos só porque eu sou maluco. A razão pela qual eu sou maluco é porque eles são verdadeiros."

Namastê!

sábado, 30 de abril de 2011

O dia em que quase me afoguei no chuveiro



Numa época em que tantos se acham ou querem ser especiais, um grande clichê é “tem coisa que só acontece comigo”. Contudo, somos mais parecidos uns com os outros do que imaginamos. Tantas vezes ouvi o clichê acompanhado por histórias essencialmente iguais, mas consideradas irrepetíveis por cada inocente narrador. Afinal, quantos tiveram o pneu do carro furado quando atrasados? Quantos mancharam a camisa na hora de sair? Quantos quase se afogaram no chuveiro?
 Um dia desses, eu tentava esquecer o cansaço em um relaxante banho quente. O plano funcionou, e logo eu estava mergulhado em pensamentos sobre nanotecnologia aplicada a cerimônias religiosas. À dada altura, estava tão relaxado e feliz com meus progressos que me espreguicei. Estendi os braços e bocejei sem pudor, como aqueles ursos de desenho animado que acordam da hibernação.
Quase morri. No movimento natural de alongar todo o corpo, estendi o pescoço e olhei pra cima com a boca aberta do bocejo. E o chuveiro me despejou toda a água do Ganges traquéia abaixo. Eu não conseguiria tanto se fosse um daqueles concursos de beber refri valendo um carro.
No clímax do desespero, cabe uma digressão. Quando criança, quase me afoguei três vezes: duas em piscinas e uma num ribeirão. Na segunda vez em piscina, tive câimbra nos dois braços ao mesmo tempo e cheguei à borda só batendo pernas. Anos mais tarde, isso justificou minha simpatia pelo Roy, da Família Dinossauro. No ribeirão, eu já estava arrebentado e quase desmaiado antes do quase-afogamento começar. Parte da margem desmoronou e quiquei barranco abaixo até a água, como o Homer naquele episódio em que cai de skate na Garganta de Springfield. “Bart, o Destemido” é o nome do episódio. No meu caso, não há adjetivos gloriosos pra quem é içado da correnteza pela cueca. Assim, sei o que é passar aperto e vergonha com água.
Com tanto conhecimento de causa, logo concluí que a situação era séria (algumas vezes, meu chuveiro trata a seriedade humoristicamente. Algumas vezes, ele trata o humor seriamente. De qualquer forma, eu não conseguia respirar e tampouco gritar por ajuda). Além disso, é típico já estar com pouco ar no início do bocejo. Não bastasse a diversão, eu estava sozinho em casa. Portanto, sabia que tinha pouco tempo.
Deixemos a narrativa detalhada e dramática sobre a rápida queda das minhas funções vitais. A experiência subjetiva foi mais legal. Mentira. Foi uma bad trip, como assistir ao Faustão entrevistando ex-BBBs. É verdade o que dizem sobre toda a vida passar diante dos olhos, num misto de avaliação rigorosa e esforço desesperado pra aproveitar o resto. Na aflição, vários outros pensamentos também vieram: “Eu me recuso a morrer afogado no chuveiro! Ainda mais pelado!” Assim descobri que a perspectiva de ser visto nu pela família inteira dá uma enorme motivação pra lutar. Afogar no chuveiro com traje esporte fino seria mais elegante. Eu não estava mesmo vestido pra ocasião. “Calma: No meu lugar, o que MacGyver faria?” Costumo usar esse recurso quando diante de problemas concretos difíceis. Quando são abstratos, penso em Fox Mulder. “Se existir mesmo um ‘outro lado’ e me perguntarem lá sobre como morri, terei de mentir...” Sem sacanagem, eu pensei. Já imaginou sofrer bullying no além-túmulo por conta disso? Se bem que, dependendo do meu círculo de convivências por lá, não seria ruim conhecer o humor provavelmente refinado de Chaplin, Newton, Émilie du Châtelet, Machado de Assis, Da Vinci... Em compensação, eu poderia aguentar séculos de zoação implacável nas mãos de Ronald Golias, Dercy Gonçalves, Ed Wood, Alborghetti... Nada mais derrotista que o último consolo que me veio: Pelo menos aparecerei no Darwin Awards...”
Após muito esforço (mesmo), expeli a água intrusa e o ar começou a entrar. Foi como quando retirei aqueles sapatos 36 após uma manhã inteira de trabalho (eu já calçava 44... É história pra outro dia). Demorei uns 10 minutos pra realmente me recuperar, incluindo parar a tosse e respirar com naturalidade. Como a vivência do tempo é subjetiva, pareceram horas.
Esta narrativa é um convite, caríssimo leitor, pra que narre seu(s) quase-afogamento(s) no chuveiro. Fundemos uma associação. Façamos grupos de apoio. Criemos um manual pra emergências com páginas plastificadas (senão acontecerá como nas saídas de emergência nas janelas dos ônibus antigos, quando os vários procedimentos – não era apenas “pegue o martelo e use no vidro” – vinham descritos nos lacres de segurança e a primeira instrução era “quebre o lacre”). A demanda existe e precisamos nos mobilizar. Como já escrevi aqui, objetos “inanimados” são perigosos. E, no topo da minha lista, Pedro, o chuveiro.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

PLANO 9 DO ESPAÇO SIDERAL – Resenha crítica de um filme que você (erradamente) nunca pensou em ver

"Assisto Plano 9 toda vez que preciso me concentrar em um problema difícil (...). O filme é tão incrivelmente ruim e infantil que derruba os centros lógicos do meu cérebro, permitindo saltos intuitivos que seriam impossíveis de outro jeito".
Fox Mulder
(Arquivo X, 7ª temporada, episódio 19)

Voltei, cambada! Além do trabalho, sumi porque meu HD foi pro espaço. Falando nisso, vamos a uma resenha prometida faz tempo. Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) aparece em várias listas como o pior filme já feito (e talvez imaginado). E o pai da criança, Ed Wood, é frequentemente mencionado como o pior diretor de todos os tempos.

Penso ser ingenuidade encarar assim um dos meus filmes favoritos. Prefiro entender Plano 9 como a mais acurada coleção de profecias desde Edgar Cayce. E nisso o solene Criswell é claro já na primeira cena: Saudações, meus amigos. Todos nós temos interesse no futuro, pois lá é onde eu e você passaremos o resto de nossas vidas [eis a 1ª genial profecia; na época, não era um clichê]. E lembrem-se, meus amigos, que eventos futuros como estes irão afetá-los no futuro” [sic, juro... a 2ª profecia vem assim mesmo, na sequência e sem titubeio].  
O leitor fiel deve lembrar que uma das funções do blog é fomentar resistência ao apocalipse zumbi. E Ed Wood nos preparava pra esse evento desde muito. Passados mais de cinquenta anos do lançamento de Plano 9, podemos confirmar várias das profecias, o que me deixa confiante na exatidão das restantes (neste momento crítico, quem se importa com a “metáfora do peru cientista”??).
O filme trata de hostis alienígenas e discos voadores suspensos por barbantes tão visíveis quanto as raízes originais de cabelos pintados. Longe de uma precariedade nos efeitos especiais, o visionário diretor busca o artifício hipnótico do pêndulo. O som de liquidificador defeituoso emitido pelo disco fornece o chiado brando que completa o transe. É um jeito maquiavelicamente genial de nos manter sentados até o fim. Wood precisava garantir que receberíamos toda a mensagem.  
 Os alienígenas estão preocupados com o futuro desenvolvimento da bomba de... solaronite (sic, juro) pelos terráqueos “estúpidos, estúpidos!” (sic exaltado). Tal bomba “explodiria as partículas da luz solar” (sic), com uma indesejada reação em cadeia que destruiria nosso sol. Como se já não fosse grave, tal destruição se estenderia, como um “rastro de gasolina” (sic), até as demais estrelas. O efeito dominó aniquilaria, por consequência, todo o universo. Como é aterrador crescer e descobrir que minha ocasional raiva da humanidade (por maltratar animais etc.) era ingênua diante do que nossa espécie realmente pode fazer. Encontrei um prenúncio ainda mais terrível que o apocalipse zumbi: solaronite. É nossa 3ª profecia; não perca a conta.
Os extraterrestres tentam um contato amigável com nossos governantes, que, em resposta, apenas negam a existência dos discos voadores. Desconsolados, os visitantes decidem dominar a Terra. Pra isso, implementam o temível Plano 9, que se resume a... reviver os mortos. Eu não teria idéia mais coerente. Nem você. Tal genialidade simples e direta requer uma inteligência alienígena avançada pra concebê-la. Na vida real, o apocalipse zumbi será iniciado por extraterrestres? Os fungos que transformam formigas em zumbis (conforme noticiado aqui no blog) são alienígenas? Temo que seja essa a 4ª profecia.
Cavalheiresco, Wood deixa uma dama reviver primeiro. A “vampira” Maila Nurmi só é assim apresentada por conta do programa de TV que a fez famosa, “The Vampira Show”. Mas a ausência de caninos salientes e o caminhar pateticamente robótico e lento não deixam dúvidas: ela é uma zumbi clássica, prevendo George Romero (5ª profecia).



Já o segundo morto-vivo é um vampiro além de qualquer dúvida. Não bastassem o cabelo engomadinho e o centenário hábito de correr balançando a capa, ele é interpretado por ninguém menos que Bela Lugosi.
Mas ele faleceu em 1956, pouco depois de Wood tê-lo filmado sem ter idéia do Plano 9. Como Lugosi já era famoso antes no papel de vampiro, não sei se vê-lo como morto-vivo, três anos após sua morte real, foi redundância ou a 6ª profecia. Quero dizer, sei sim.
As demais aparições do vampiro são feitas com um dublê, o que explica seu rosto caricatamente escondido pela capa (com a qual – é razoável supor – um personagem idoso e convencional não seria enterrado. Mas um gênio indomado como Wood não imporia tais limitações à sua criatividade). Embora haja explicações simples, penso que o dublê era tão extraordinariamente parecido com Lugosi que seu rosto poderia assustar demais o público ainda em luto. E o rapaz se entregou apaixonadamente à tarefa de esconder a semelhança, deixando praticamente só o cabelo aparecer durante todo o filme. Haja dor no braço e amor pela arte.


Apenas mais um é revivido: o chefe de polícia. Décadas mais tarde, seu rosto se tornaria uma famosa máscara de halloween. Como a “vampira”, ele também se comporta como os zumbis que Romero tornaria clássicos. Reunir extraterrestres, zumbis e um vampiro no mesmo filme é muita ousadia. 



Aqui, uma escandalosa alusão ao apocalipse revelará nossa 7ª profecia. Pra quem pretendia criar um exército, os extraterrestres se contentaram com tão pouco? Mas a perspicácia é mesmo um dom e eles logo percebem a suficiente verdade: Lugosi, “vampira” e o policial seriam os 4 cavaleiros do apocalipse! Genial... Como diz aquele princípio universal do planejamento eficaz, seja entre terráqueos ou alienígenas, existem apenas 3 tipos de pessoas: as que sabem contar e as que não sabem.
Já Jeff Trent, o herói na história, é um piloto comercial cujos aviões se resumem a cubículos retangulares com duas cadeiras e uma cortina. Parece aquela música infantil sobre a casa muito engraçada que não tinha teto, não tinha nada. Assim, Wood concebeu as máquinas mentalmente controladas que só agora começam a surgir (8ª profecia e contando...). Aliás, a sala de reuniões dos extraterrestres tem decoração parecida (pouco mais que uma cadeira, uma mesa e a mesma cortina).

Nada mais previsível, já que eles são plenamente humanos, incluindo simpáticas barriguinhas de chopp alienígena (servido naquele bar maluco de Star Wars) e roupas da era da discoteca (9ª profecia). Aliás, nem os avanços tecnológicos de uma adiantada civilização espacial curarão a calvície (10ª).
Mas, diferente do avião que dispensa qualquer equipamento, o disco precisa de caixas metálicas com botões, ponteiros e fios tão familiares a nós. Portanto, em um misto de denúncia e profecia (a 11ª), o ousado Wood sugere que nosso desenvolvimento tecnológico, à época e no futuro, se basearia em ciência alienígena adquirida de discos voadores capturados pelo governo norte-americano. Não é à toa que Mulder é fã dele.  
 No mesmo embalo criativo, as lápides falsas caem ao sabor do vento. Imagino serem protótipos do cemitério da Barbie, que não fez tanto sucesso quanto a casa da Barbie, o carro, e por isso você nunca ouviu falar (mas você viu o tamanho das lápides na foto do pseudo-Lugosi. E a Barbie foi lançada justamente em 1959. Coincidência?). Filmagens diurnas e noturnas se alternam sem critério (um distúrbio temporal causado pelo campo magnético da nave?). Os diálogos são fascinantes. Filmes reais antigos do exército americano são usados e destoam das demais imagens em cor, textura... Aliás, tudo destoa de tudo, com cortes abruptos e uma narrativa tão fragmentada que parece psicótica.
Daí em diante é ladeira abaixo. Os mocinhos, liderados por Trent, lutam contra os mortos-vivos e finalmente chegam ao disco voador pousado no cemitério. Uma vez lá, Trent sai no braço com um dos extraterrestres, Eros (sic, juro). Na verdade, foi quase uma daquelas brigas de abraçar e puxar cabelo. Mas é reconfortante saber que o avanço tecnológico não extinguirá esse lado inofensivo da barbárie (12ª...). Na confusão, os equipamentos explodem e os mocinhos fogem. A nave incendiada decola e explode no céu. O tamanho das chamas revela uma descarada maquete de poucos centímetros de diâmetro. No solo, Trent e uns gatos pingados se perguntam se a ameaça acabou. O plano 9 não funcionou, mas nada sabemos sobre os terríveis 8, 7, 6... e sabe-se lá se 10, 11, 12...
O texto ficou grande. Mas a genialidade e a coragem de Wood não permitiriam menos. Na verdade, tive de me conter pra não escrever muito mais. De todo modo, os recados básicos foram dados. O apocalipse zumbi bate à nossa porta, por iniciativa extraterrestre. Os 4 cavaleiros do apocalipse virão de acompanhamento, junto com a salada. A calvície permanecerá sem cura. As brigas de puxar cabelo nunca acabarão. E ainda teremos de lidar com a solaronite no futuro, exatamente onde passaremos o resto de nossas vidas... pois acontecimentos futuros afetarão (precisamente) nosso futuro. Faço minhas as solenes palavras com que Criswell encerra o filme: “Meu amigo, você viu este incidente baseado em um testemunho jurado. Você pode provar que não aconteceu [eu acrescentaria: ou que não acontecerá]? Talvez em seu caminho de casa, você cruze com alguém na escuridão e nunca saberá se eles são do espaço sideral. Muitos cientistas acreditam que outro mundo está nos vendo neste momento. Nós rimos uma vez da carruagem sem cavalo, do avião, do telefone, da luz elétrica, das vitaminas, do rádio e até da televisão. E agora alguns de nós rimos do espaço sideral. Deus nos ajude... no futuro”.